Harmonia que se escoa para a vida

Posted by Ricardo Cazarino | Posted on domingo, dezembro 23, 2007

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PARTE I


Por : Eny Elisa Souto e Ricardo Cazarino

O autoconhecimento é talvez a melhor solução para enfrentarmos nossos caminhos. Bons ou não, eles trazem consigo a oportunidade de amadurecimento e crescimento espiritual. Refletir, equilibrar o corpo e a mente é possível, e está dentro de cada um de nós

Você se conhece? Quais são os verdadeiros valores da vida? Essas perguntas podem ser facilmente respondidas, se não há uma reflexão interior e sincera. Neste mundo conturbado, onde os valores sofrem modificações constantemente, muitas vezes fica difícil conquistar uma vida saudável e prazerosa. Devido aos inúmeros conflitos da modernidade, onde as imposições e regras determinadas se tornam os verdadeiros valores a serem seguidos, os homens procuram cada vez mais algum refúgio capaz de suprir as suas necessidades. Há um padrão de estética, de comportamento e muitas vezes até da situação financeira.

Desejo compulsivo por objetos, sentimentos egoístas tanto no amor quanto na profissão, ganância pelo poder, culto ao corpo, a exibição de valores materiais, são apenas um dos refúgios encontrados para amenizar os pensamentos. Essas atitudes podem proporcionar alguma melhora e satisfação, porém são todas momentâneas. Uma vez que criar um estereotipo pode impedir a reflexão verdadeira ou existente dentro de cada um de nós. Até que ponto uma aparente máscara pode permanecer em nossas vidas, deixando-nos felizes?

Indo de encontro a esses apegos, existem muitos segmentos capazes de ensinar ao homem maneiras diferentes de encarar a realidade. Dentre as seitas religiosas, terapias alternativas e cursos de auto-ajuda, está a milenar filosofia oriental, o budismo. Surgido há 2.500 anos na Índia, os ensinamentos são baseados nas experiências terrenas de Buda Shakyamuni, considerado para os seus seguidores como o Grande Mestre, criador do budismo.

Cultivar e despertar a iluminação é a essência búdica. A consciência budista ensina que tudo na vida é impermanente, ou seja, tanto as coisas boas como as ruins, não são para sempre, sendo que essas situações trilham um caminho para melhorar a nossa condição. O primeiro passo é ouvir os ensinamentos, depois refletir para eles serem colocados em prática. A ética, a meditação e a sabedoria são os três princípios que sustentam esse caminho.

Como em toda religião, o budismo possui alguns ramos de ensinamentos, uns que visam o culto ao Buda, como por exemplo à escola Terra Pura, e outros que mesclam esse culto com a prática da meditação, que é o caso da escola Ch’an. Expandindo para o resto do mundo e presente no Brasil há quase 100 anos, a filosofia foi se adaptando e trabalhando de acordo com as culturas de cada região, mas, sempre mantendo e preservando a essência de sua origem.

Refúgio da Mente

Afastado do agito da cidade de São Paulo, encontra-se entre um local com muito verde e ar puro, o Templo Zulai. Considerado o maior templo budista da América Latina, existente há um ano no Brasil, resgata não somente a essência, como também a estrutura, os requintes da cultura oriental. Tendo como som ambiente os cantos dos passarinhos, o vento, que visita o local trazendo bons fluidos, o odor sutil dos incensos que queimam lentamente escoando os nossos pensamentos positivos e a queda das águas nas fontes, revigoram a energia das pessoas que por ali visitam. Os monges e os voluntários estão sempre dispostos a ajudar e ensinar a história e a prática da filosofia. Com amplo pátio central, lagos e muitos jardins com belas flores além de bancos para meditação, o templo torna-se um refúgio de paz e tranqüilidade, proporcionando uma sensação caseira e aconchegante.

“Vim conhecer para buscar uma paz em que não encontro em São Paulo. Procuro um autoconhecimento e uma reflexão mais ampla, que fuja da rotina, diz Camila Zamfece, publicitária e visitante do templo”.

Harmonia que se escoa para a vida

Posted by Ricardo Cazarino | Posted on domingo, dezembro 23, 2007

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PARTE II

Segundo Moacir, mestre do templo Zulai, que tem por função transmitir a história de Buda, chamados de Dharma, “a adaptação do budismo no Brasil é natural, e tudo que surgiu da filosofia e na religião budista no país foi pelo amadurecimento de todas as causas e condições ambientes, ou seja, o jeito de ser, de encarar a vida, a alegria e a amabilidade do povo.A raça humana tem um sentido comum, pelo fato de estarmos no reino humano, nós temos raiva, ganância, ignorância e os mesmos venenos da mente”, afirma Moacir.

O budismo ensina o ser humano a se livrar exatamente dessas características negativas inerentes a ele. Quando o homem ultrapassa uma das principais cegueiras existentes em nossas vidas, a ignorância, ele consegue alcançar o ápice da sabedoria, algo possível para todos nós, que temos na essência essa virtude. “Nós somos budas adormecidos, encobertos pela nossa ignorância”, ressalta Moacir.

Hoje é crescente o número de pessoas que se tornam dependentes de remédios para depressão, insônia, dores e mal-estar em geral. Tudo isso gera um sofrimento interior, onde muitas vezes as causas está longe se serem encontradas em diagnósticos. Na verdade, esse sofrimento é gerado pela própria pessoa, onde ela mesma não quer enxergar a pura verdade que a cerca. E assim, cria situações ilusórias que aumentam ainda mais o seu apego e a sua insatisfação com a vida, nomeado de a ignorância.

Dessa forma, as mudanças no comportamento, tanto interior quanto exterior, dependem exclusivamente da pessoa que as sente, devendo buscar na prática da vida diária, pensamentos, ações e reflexões adequadas. Utilizando-se desses conceitos, a pessoa sentirá que tudo em sua volta ficará diferente, onde os pequenos problemas que existiam até então, serão substituídos por simples soluções.

Trabalhando as Energias

Para os budistas alcançar uma reflexão interior ocorre quando há uma prática freqüente da meditação. “A meditação é uma prática silenciosa de alta observação interior a partir da observação da sua inspiração e expiração. Primeiro se passa por um processo de tranquilização da mente, em que o fluxo mental dos pensamentos começa a brandar”, explica Moacir.

Dessa forma, a prática da meditação permite que se atinja uma qualidade de vida em todos os sentidos, principalmente na saúde mental, capaz de auxiliar o individuo a enxergar algumas situações que não são possíveis de serem visualizadas de maneira racional. É como mergulhar em um lago profundo e poluído. Essa sujeira caracteriza as impurezas existentes na mente. Para que se consiga ver o lago cristalino, é necessário limpá-lo de forma profunda e eficaz. Na verdade, isso só irá acontecer realmente quando houver um esforço interior e uma consciência capaz de ultrapassar qualquer barreira, preservando o conhecimento.

Será que hoje é possível viver dessa forma? Ou essa realidade é utópica? De acordo com Moacir, todas as pessoas deveriam experimentar a meditação, que pode ser praticada em qualquer situação, inclusive para as pessoas que residem nas grandes cidades. Após o início das sessões, é possível notar uma qualidade melhor no sono, na capacidade de memorização, na diminuição da ansiedade, gastrites e todos os males da vida moderna.

Ao alcançar este patamar de sabedoria, a pessoa sente-se capaz de transmitir tudo aquilo que conseguiu evoluir para as pessoas ao seu redor. Esse ciclo de paz, conhecimento e sabedoria é o grande desafio dos budistas. “Você não precisa se retirar do mundo para alcançar uma vida melhor, você pode ser feliz nessa vida”, ressalta Moacir.

“O principal valor na vida é a dignidade. A principal felicidade na vida é a alegria espiritual. A principal esperança na vida é a paz. A principal devoção na vida é beneficiar os seres”. (Templo Zulai)

Retratos de Rua

Posted by Ricardo Cazarino | Posted on quinta-feira, novembro 29, 2007

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"O morador de rua que havia sido queimado na madrugada de ontem na região central de São Paulo não resistiu aos ferimentos e morreu por volta das 2h40 desta quarta-feira no Hospital das Clínicas. Segundo a assessoria do hospital, ele tinha queimaduras em 85% do corpo." ( Folha on line 28/11/07)

A questão dos moradores em situação de rua na cidade de São Paulo é um antigo assunto social debatido pelas autoridades e pelos grupos de assistências sociais. O antigo centro da capital, deteriorado ao longo dos anos, é uma área onde esses moradores já fazem parte da paisagem. Abaixo segue um matéria realizada em julho de 2006 sobre a situação dos moradores de rua do centro velho, que concorreu ao prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos - "novos talentos"

Moradores abandonados pela sociedade e autoridades lutam pelo direito à vida

Por Ricardo Cazarino


As seleções de Portugal e Alemanha entravam em campo na Copa mais disputada dos últimos anos, enquanto, o sino da Sé badalava quatro vezes. Na Alemanha, o hino nacional levava os torcedores ao delírio e orgulho pelo país. No centro da velha São Paulo, pessoas reservaram o sábado à tarde para passear, rezar e visitar as belezas da catedral.


Ao redor do Marco Zero, pequeno monumento construído em 1934 com ângulos que simbolizam pontos do país, artistas de rua com a viola na mão espalham ao som de uma musica sertaneja a espera de ganhar alguns trocados. Ao lado, uma roda se formava para ouvir um pregador anônimo de Deus. A bíblia em punhos e os gritos eram suas armas perante a palavra divina. Os ambulantes, característica presente da metrópole, estavam com suas bancas em diversos pontos da praça. Gente de todas as cores, raças e lugares se esbarram nesse grande formigueiro.

Pela lateral das paredes ásperas da catedral, dois homens de rua jogam conversa fora sentados na calçada. A carroça presa ao poste com papelão denunciava o fim de mais um dia de trabalho. Bico. Uma fala espontânea acaba com o anonimato: “Olá, pode chegar sim. Não to fazendo nada mesmo. Anota ai, meu nome é Waldemir, com “W”, Gonçalves Sampaio, nasci em Manaus, vim pra cá com minha família. Sou pai de três filhos casados, e graças a Deus bem casados”. Ao lado, uma garrafa do mais “puro mel”, como dizia Waldemir. A camisa branca velha e suja acompanhava o sapato preto e a calça azul marinho desbotada.

Mais recatado e com semblante sério e desconfiado Manuel Ferreira de Souza entra na conversa. Boné azul enterrado na cabeça, camisa verde amassada por baixo de uma jaqueta de cores bagunçadas, a calça cinza pelas canelas deixava a mostra as meias brancas de algodão dentro um sapato social preto. Desbotado. O corpo franzino e encolhido querendo se esconder mostrava a pele morena rústica. A barba por fazer e as unhas sujas mal tratadas acusava a falta de banho. “Sou do Piauí, tenho 54 anos. Lá na minha cidade eu era comerciante. Vendia tudo que você pode imaginar, até minha mãe” deixa o sorriso escapar pela primeira vez. “Em casa era eu, minha mãe e mais dois irmãos. Graças a Deus consegui estudar até o terceiro colegial. Vim pra São Paulo com emprego garantido em Mogi das Cruzes em 1976. A empresa era de transmissão de energia elétrica e eu era ajudante de montagem. Mas fiquei sem emprego, sem condições e vim parar nas ruas.”

Waldemir não se intimida e continua: “Fui casado durante 25 anos, sou técnico em edificações pelo Senai. Trabalhei como encarregado de obra e fui mestre de obra. Cheguei a ganhar R$ 1.100 por mês. O desemprego em 90 com aquele filho da puta do Collor me matou. Fiquei sem saber o que fazer. Essa foi a razão da minha separação. Hoje a minha família está bem, mas tenho vergonha na cara e não procuro ninguém. Onde já se viu um senhor de 55 anos viver debaixo da saia da mãe com 77 anos?! Não volto pra casa nessas condições. Estou há doze anos aqui no centro”.

A conversa finalmente parecia entrar em seu ritmo. O tom das palavras, antes desconfiadas, transformava-se pouco a pouco. A confiança e o sentimento de cordialidade deixavam o papo mais natural. A tarde já começa a se despedir. A garrafa, agora estava mais vazia. Após um curto gole, Waldemir abre sua vida. Carência. “Hoje estamos juntos vendendo latinha e papelão. Isso dá uns R$ 2 ou R$ 3 por dia. Sinto desprezado e tenho alguns momentos de solidão. Outros, fico rebelde inclusive com a minha religião. Mas depois caio na real e vejo que a igreja não tem culpa. Tenho medo do castigo de Deus e de ficar doente, na cadeira de rodas, dependendo dos outros.”

Segundo pesquisa realizada em 2003 pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), há na cidade de São Paulo 10.394 pessoas em situação de rua. Para a socióloga Marisa Espírito Santo Borin, que participou do censo, a população de rua é heterogenia. “Há diferenças do tempo que estão na rua, da cultura anterior, da trajetória de vida, as redes de relacionamento, da idade, de sexo e escolaridade. A sociedade não tem uma posição muito clara, hora ela tem um ar de piedade, hora de medo, de preconceito. Falta uma política pública no sentido de apresentar uma oportunidade. Temos que investir em uma direção mais adequada para essa população, de criar locais específicos, oferecer cursos, criar espaços para eles mostrarem seus trabalhos.”

Sem perspectiva de vida,Waldemir Gonçalves e Manuel Ferreira de Souza, retomam a sua rotina. Com a alça da carroça pela cintura, as rodas giram lentamente para o meio da noite. As luzes amareladas deixam as sombras guiarem os pensamentos. Sem destino, o caminho parece não ter parada certa. Sem direito, a vida parece não ter sentido. “Tenho vergonha de ser brasileiro”, resume Manuel.